Caso Lojas Americanas: qual o direito dos acionistas para a Justiça?
- jeancaristina
- 16 de ago. de 2023
- 5 min de leitura
Casos como o das Lojas Americanas acarretam milhões em prejuízo aos acionistas minoritários. Saiba qual a posição do Judiciário a respeito destes casos.
O Instituto Brasileiro de Cidadania (IBRACI) ajuizou ação civil pública contra as Lojas Americanas na Justiça Cível do Rio de Janeiro, pleiteando a condenação da companhia ao pagamento de compensação por danos morais individuais e ao pagamento de indenização por danos materiais individuais.
O instituto argumenta que “milhares de acionistas minoritários, pequenos investidores, consumidores por serem vítimas do dano, retiraram valores de sua poupança, fruto de muito trabalho e suor, confiando na robustez e alto índice de governança corporativa da Ré e, ainda, nas suas boas perspectivas de crescimento fruto dos seus balanços divulgados, e adquiriram ações da Ré, até o dia 11/01/2023, a maior varejista do país”.
Os precedentes da Justiça brasileira sobre o assunto não são favoráveis a este tipo de iniciativa.
O que diz a legislação brasileira
O detentor de ações de empresas como a Lojas Americanas S.A. normalmente é um acionista minoritário. Mesmo que fosse possuidor de um número considerável de ações, ainda assim estaria muito distante de ser controlador da companhia.
As sociedades anônimas, especialmente as que possuem capital aberto, isto é, que possuem ações negociadas na bolsa de valores, estão sujeitas ao regime jurídico da Lei 6.404/76 (Lei das SA).
O art. 159 da Lei das SA considera as companhias (nomenclatura das sociedades anônimas) vítimas de seus administradores. Apesar de serem pessoas jurídicas, sob o ponto de vista gerencial são os administradores eleitos pela assembleia quem tomam as decisões mais relevantes e que deverão figurar no polo passivo da ação, em caso de agirem com fraude.
Esta é a redação do art. 159:
Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.
Em caso de fraude cometida por administradores, são eles que deverão ser responsabilizados, cabendo à companhia propor ação para reparação civil, ou seja, os acionistas não poderão propor ação diretamente contra a companhia.
Caso a assembleia-geral decida ingressar com ação e não o faça em até 3 meses desta deliberação, qualquer acionista poderá fazê-lo, conforme art. 159, § 3°, da Lei das SA. Porém, tal direito continua sendo o de responsabilizar os administradores, e não a companhia.
Há uma terceira possibilidade. Caso a assembleia-geral decida não ingressar com ação, os acionistas que representem pelo menos 5% do capital social poderão fazê-lo. Porém, mais uma vez tem-se a possibilidade de ingressar contra os administradores, e não contra a companhia.
Em síntese, diferentemente do sistema norte-americano que possui as chamadas “Class Action”, o Brasil adota um modelo que vitimiza a companhia e responsabiliza os administradores por atos fraudulentos que causem prejuízo aos acionistas.
A atual interpretação do § 7° do art. 159
A esperança dos acionistas poderia estar depositada num único dispositivo da Lei das SA: o § 7°, que possui a seguinte redação:
§ 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.
Infelizmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento de que o § 7° só tem aplicação nos casos de danos diretos causados aos acionistas. Se o ato fraudulento é cometido em prejuízo à companhia, esta será a vítima e os acionistas, apenas indiretamente, serão os prejudicados, retirando-lhes, portanto, a possibilidade de postular a aplicação do § 7°.
4. Sendo os danos causados diretamente à companhia, são cabíveis as ações sociais ut universi e ut singuli, estão obedecidos os requisitos exigidos pelos §§ 3º e 4º do mencionado dispositivo legal da Lei das S/A. 5. Por sua vez, a ação individual, prevista no § 7º do art. 159 da Lei 6.404/76, tem como finalidade reparar o dano experimentado não pela companhia, mas pelo próprio acionista ou terceiro prejudicado, isto é, o dano direto causado ao titular de ações societárias ou a terceiro por ato do administrador ou dos controladores. Não depende a ação individual de deliberação da assembleia geral para ser proposta. 6. É parte ilegítima para ajuizar a ação individual o acionista que sofre prejuízos apenas indiretos por atos praticados pelo administrador ou pelos acionistas controladores da sociedade anônima. REsp 1214497/RJ
Infelizmente, há diversos precedentes do STF no mesmo sentido: REsp 1.002.055, REsp 1.014.496, REsp 1.207.956, REsp 1.515.710, REsp 1.207.956.
Uma posição que merece revisão
A interpretação do § 7º do art. 159 precisa ser reformulada para o bem dos acionistas e da confiabilidade do mercado de ações. Apesar de haver extensa corrente doutrinária e jurisprudencial que defende a tese de que os acionistas não têm direito de ação contra a companhia, ela parece estar superada pela própria realidade do mercado atual, em que milhares de pessoas, detentoras de uma pequena quantidade de recursos, adquire ações para sua aposentadoria, para um projeto especial ou para recebimento de dividendos.
Não é raro que os administradores das sociedades anônimas e outros membros do conselho, sabendo dos rumos da companhia, vendem suas participações acionárias antecipadamente, deixando o prejuízo para os acionistas minoritários.
É impossível dizer que tal atitude não seja em prejuízo aos acionistas, pois ao fazê-lo, os administradores estão conscientes e intencionados (há dolo, portanto) a transferir o prejuízo aos acionistas minoritários. Há, por trás desta atitude, um ilícito muito bem estruturado, que deveria ser tutelado pelo direito, para se impor responsabilidade aos administradores, que são, em última análise, os responsáveis pela gestão da empresa.
Mas, repito: apenas quando comprovar-se a intenção dolosa e premeditada dos administradores, o que parece acontecer na maior parte dos casos, dado que dificilmente são “pegos de surpresa”.
Como dissemos, a doutrina e a jurisprudência construíram uma interpretação patriarcal do art. 159 da Lei das SA, estendendo proteção excessiva aos administradores, mesmo quando evidentemente agem (repita-se: conscientes e intencionados) em prejuízo aos acionistas, que dormiram com suas ações valendo em torno de R$ 20,00 e amanheceram com as ações valendo menos do que R$ 6,00.
A pergunta obrigatória que se deve fazer é: a queda do valor patrimonial da companhia e, consequentemente, das ações, ocorreu por fato inerente ao mercado? Evidente que não. Os “problemas” contábeis que fizeram com que as ações das Lojas Americanas despencassem certamente eram de conhecimento dos gestores, não sendo minimamente crível que só tenham surgido após a divulgação do balanço. Tal informação foi confirmada por gestores da empresa convocados para a CPI sobre a companhia.
É o momento de o Judiciário rever seu posicionamento sobre a aplicação do art. 159, § 7º, da Lei das SA, protegendo os milhares de acionistas que perderam alguns milhões de reais de seus sonhos, de seus empregos, de suas rescisões etc. A manutenção do velho entendimento (absolutamente inverossímil) de que a vítima é a companhia, protege os administradores e continua colocando os acionistas em posição de inferioridade na cadeia econômica, como se fossem eles os culpados pela situação da própria companhia.