STF decide se cancelamento de voos deve seguir o Código de Defesa do Consumidor ou o Código de Aeronáutica
- jeancaristina
- 18 de ago.
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Decisão do STF poderá afetar milhares de ações que tratam do direito do passageiro
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a análise de um tema que pode transformar profundamente a forma como os consumidores são indenizados por cancelamentos de voos no Brasil. A Corte discute se tais situações devem ser regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), em julgamento com repercussão geral reconhecida. A decisão terá impacto direto sobre milhares de ações judiciais em curso e poderá redefinir os limites da responsabilidade das companhias aéreas.
O caso que chegou ao Supremo
A controvérsia teve origem em uma ação movida por um passageiro que teve seu voo cancelado em razão de incêndios no Pantanal. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou a companhia aérea ao pagamento de R$ 8 mil por danos morais e R$ 107,00 por danos materiais, aplicando o CDC como base legal. A empresa recorreu ao STF, sustentando que o CBA deveria prevalecer por ser norma específica do setor, conforme previsto no artigo 178 da Constituição Federal.
CDC ou Código de Aeronáutica: qual deve prevalecer?
A discussão central gira em torno da aplicação do CDC — que estabelece responsabilidade objetiva do fornecedor e ampla proteção ao consumidor — versus o CBA, que prevê hipóteses de exclusão de responsabilidade em casos de força maior, como condições meteorológicas adversas ou restrições operacionais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisões anteriores, tem adotado o CDC como norma aplicável às relações entre passageiros e companhias aéreas, inclusive em casos de transporte internacional, salvo quando tratados internacionais dispuserem de forma diversa. A jurisprudência consolidada reconhece que o transporte aéreo configura relação de consumo, sendo o passageiro parte hipossuficiente da relação contratual.
Contudo, o STF poderá revisar esse entendimento à luz da constitucionalidade e da especialidade normativa, o que pode alterar o regime jurídico aplicável e, consequentemente, os critérios para indenização por danos morais e materiais.
A eventual prevalência do CBA poderá restringir o alcance das indenizações, especialmente em situações de caso fortuito ou força maior. Por outro lado, a manutenção do CDC como norma regente reforça a proteção ao consumidor, garantindo reparação por falhas na prestação do serviço, independentemente da culpa da companhia aérea.
Segundo dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) e do Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (Ibaer), o Brasil registra uma das maiores taxas de judicialização do mundo no setor aéreo, com uma ação para cada 227 passageiros transportados. A uniformização da jurisprudência, portanto, é vista como essencial para reduzir a insegurança jurídica e os custos operacionais das empresas.
O que é repercussão geral?
A repercussão geral é um mecanismo processual que permite ao STF selecionar temas com relevância jurídica, social, econômica ou política para julgamento. Quando reconhecida, a decisão tomada pela Corte passa a valer como orientação obrigatória para todos os tribunais do país em casos semelhantes. Trata-se de uma forma de garantir uniformidade e segurança jurídica, evitando decisões conflitantes em instâncias inferiores.
No caso em análise, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, reconheceu a repercussão geral por entender que a matéria envolve princípios constitucionais relevantes, como a proteção ao consumidor (art. 5º, inciso XXXII) e a livre iniciativa (art. 170), além de afetar diretamente o setor aéreo e os direitos de milhões de passageiros.
Até o momento, já acompanharam o voto do relator os ministros Cármen Lúcia, Luiz Fux e Alexandre de Moraes, indicando uma tendência de reconhecimento da repercussão geral. Caso confirmada, a matéria será levada ao plenário físico para definição do mérito, e a decisão passará a orientar todos os processos semelhantes em tramitação no país.
A análise do STF sobre a legislação aplicável aos cancelamentos de voos representa um marco na consolidação dos direitos do consumidor no transporte aéreo. A definição entre CDC e CBA não se limita à técnica jurídica, mas envolve valores constitucionais como dignidade, segurança jurídica e equilíbrio nas relações de consumo.
Nosso escritório tem acompanhado atentamente os desdobramentos dessa discussão, ciente de que a decisão do STF influenciará diretamente o cotidiano de milhares de passageiros e a atuação das companhias aéreas.