Bullying e a responsabilidade civil das escolas
- jeancaristina
- 25 de jul. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de ago. de 2023
Escolas podem ser responsabilizadas no caso de bullying cometido contra estudantes
O ambiente escolar continua sendo o melhor lugar para uma criança. O desenvolvimento psicomotor, a interação sociopedagógica e o convívio com as diferenças são fundamentais para o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, além, é claro, do papel preponderante da escola na formação intelectual dos estudantes.
Porém, é principalmente no ambiente escolar que se desenvolve um dos fantasmas que mais perseguem um grande número de crianças no mundo todo: o bullying.
Palavra inglesa sem tradução literal para o português, o bullying é a reiteração de conduta ofensiva contra a criança ou adolescente, física ou psicológica, praticada por indivíduo ou grupo de pessoas, capaz de gerar efeitos nefastos na formação do estudante.
Reconhecendo o problema, foi editada a Lei n° 13.185/15, que instituiu o programa nacional de combate à intimidação sistemática (bullying), com o objetivo de fundamentar políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal, assim como servir de orientação às escolas particulares de todo o país.
Agressão sistemática
O bullying se configura como uma prática intencional e reiterada de violência física ou psicológica, com o objetivo de intimidação, agressão e humilhação, conforme definido pelo art. 1°, § 1°, da Lei nº 13.185/15.
Por se caracterizar como violência sistemática, não se considera bullying os atos pontuais e episódicos de agressão física ou psicológica, que infelizmente também são comuns na escola, especialmente em razão da mudança de comportamento dos jovens e o infeliz acesso a conteúdos cada vez mais violentos nas redes sociais e na internet.
Esta característica (violência sistemática) é de extrema relevância para se caracterizar o bullying, pois não se pode, à primeira violência sofrida pela criança, acusar a escola de omissão ou pretender responsabilizá-la por conduta leniente.
Há que se estabelecer o chamado nexo causal, ou seja, demonstrar que a violência já vinha sendo praticada de forma reiterada, com a ciência e/ou conivência da escola.
A responsabilidade da escola definida pelo art. 4° da Lei
O art. 4° da Lei nº 13.185/15 fixa algumas ações que deverão ser adotadas pelas escolas na prevenção e combate ao bullying, a seguir sistematizadas:
Capacitação de docentes e equipes pedagógicas na identificação e solução do problema;
Implementação de campanhas de conscientização;
Instituição de procedimentos em relação aos pais, familiares e responsáveis de vítimas e agressores;
Assistência psicológica, social e jurídica às vítimas;
Adoção de medidas sociopedagógicas em substituição de medidas de punição dos agressores;
Promover medidas de conscientização, prevenção e combate de todo tipo de violência.
Destacam-se dois pontos cruciais do art. 4º da lei:
PROCEDIMENTO
É dever da escola instituir procedimento para apuração e identificação de vítimas e agressores, sendo dever seu dever, diante da constatação de bullying, instaurar procedimento disciplinar para registro de atos praticados pela escola para identificação e punição dos envolvidos.
CAMPANHAS
Outro ponto crucial é a efetiva criação de campanhas de orientação, destinadas não apenas aos estudantes, mas, sobretudo, aos pais, familiares e responsáveis pelos estudantes.
A responsabilidade objetiva da escola
O art. 5° da Lei de combate ao bullying estabelece a responsabilidade das escolas da seguinte maneira:
Art. 5º É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying).
Portanto, não há como não reconhecer a responsabilidade dos estabelecimentos de ensino, em caso de ocorrência comprovada de bullying.
A negligência ou omissão das escolas em adotar medidas de conscientização (aspecto educacional), prevenção (dever de vigilância da escola em relação aos seus alunos) e combate (instituição de procedimentos disciplinares concretos) poderá resultar na responsabilização civil da escola, ou seja, no dever de indenizar a vítima, na medida do dano efetivamente causado.
O vínculo dos pais ou responsáveis com a escola é típica relação de consumo e, portanto, aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê a reparação de danos por falhas na prestação do serviço.
O Poder Judiciário já decidiu em favor dos pais de crianças vítimas de bullying, entendendo se tratar de relação de consumo defeituosa. A indenização pode variar de acordo com a extensão do dano sofrido. Vejamos exemplo de decisão que decidiu a respeito do dever de indenizar:
1. A ocorrência de ofensas e agressões no ambiente escolar por reiteradas vezes, bem como a atitude tímida e ineficaz da escola em solucionar o problema, configura dano moral indenizável, por acarretar abalos físicos e psicológicos à aluna. 2. O valor fixado a título de compensação por danos morais, em que pese a falta de critérios objetivos, deve ser pautado pela proporcionalidade e razoabilidade, além de servir como forma de compensar o dano sofrido e de inibir a conduta praticada. (TJDF, Ap. 0036190-86.2011.8.07.0007)
O Tribunal de Justiça de São Paulo também já decidiu reiteradas vezes em favor das vítimas de bullying, condenando escolas e entes públicos (municípios e estado) ao pagamento de indenização às vítimas, a exemplo do julgamento da Apelação nº 1000619-39.2020.8.26.0283, em que foi condenado o Município de Analândia:
No mérito, foram preenchidos os requisitos para a responsabilização do Estado por omissão, a saber: ação ou omissão da Administração Pública; ocorrência de dano; nexo causal entre a omissão e o dano; e culpa. Elemento subjetivo culposo configurado em razão da falha da escola em tomar providências para zelar pela incolumidade física e psíquica do estudante. Autor-apelado que era constantemente importunado por colega de sala, através de xingamentos e até agressões físicas, tendo a escola descumprido seu dever de cuidado. Montante indenizatório que comporta redução, a fim de não se transformar em enriquecimento ilícito da vítima. Fixação em R$20.000,00, como forma de compensar os danos sofridos, em punir em excesso o ente público, atendendo-se à dupla finalidade reparatória-punitiva e aos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.
Portanto, segundo a Lei n° 13.185/15, o dever da escola de instituir medidas que assegurem a integridade física e psicológica dos estudantes é irrenunciável, e caso falhe nesta sua obrigação, deverá responder objetivamente pelos danos que forem causados às vítimas.
Caso tenha ficado com alguma dívida a respeito deste artigo, entre em contato conosco. Nosso escritório é especializado em Direito do Consumidor, e pode ajudar famílias, responsáveis e gestores de escola a entender com mais profundidade a aplicação desta e de outras leis. Caso tenha na família alguma criança ou adolescente vítima de bullying, entre em contato com o escritório. Um advogado especializado em Direito do Consumidor irá te atender e esclarecer todas as dúvidas.